É
difícil viver sem saber pra que se vive. Sem saber o que se quer. É complicado
sentir-se parte de uma folha seca que atravessa mundos ao soprar de um vento
desgovernado. É difícil sentir-se confortável ao ser levado pelas formigas, por
mais que para isso seja preciso ser um doce. Seria o caso de um doce sem
doçura? É como cantar sem melodia. Sorrir sem contagiar a alma. Beijar uma flor
sem aspirar seu perfume. Caminhar sem ouvir os passos. É como gritar sem voz.
Lembrar do que desconhece. Abraçar sem os braços. É como gelar em chamas. É não
fazer sentido algum diante de cada instante, é como não estar vivo.
Me
sinto assim ao ouvir a chuva. Desconheço a existência de alguma relação. Apenas
vivo esse enigma. A chuva parece mudar meu ser interior. Meu eu deseja o que
jamais desejaria em dias considerados normais. Tem vontades absurdas.
Necessidades insensatas. Meu corpo e mente, sofrem de um medo oprimido dos dias
chuvosos. A chuva tem mistérios que mexem com a minha alma, mas felizmente ou
não, isso é algo passageiro, que apenas abala por alguns instantes meu eu
psicológico.
Mas
é estranho sentir-me como uma desconhecida nos dias chuvosos. Desconheço o que
desejo. Desconheço a mim. E apenas reconheço que em algum momento quando a chuva
parar o meu eu voltará ao meu corpo, e por mais que tente, não conseguirei
decifrar os vestígios que um dia chuvoso pode deixar.
E
eu que sempre me senti acolhida pela chuva. Hoje em meio à sua calmaria,
sinto-me a navegar em um mar de insegurança, onde o que preciso é ser acolhida,
mas tudo que encontro é solidão, silêncio e escuridão. Ou restos de um naufrágio
súbito. Queria eu poder decifrar a chuva, mas ela me fornece mais caos do que
sua calmaria. Está tudo em perfeito estado lá fora, mas aqui dentro, essa chuva
inunda e mata afogado muitos dos sentimentos que passam a tornarem-se
desconhecidos, e em meio a esse vendaval, ressurgem coisas que pensava não mais
existir por um longo tempo.
O
som úmido de gotas que caem em uma sequência melódica, faz com que me sinta em
uma vida passageira a qual não vivo, sou levada pelo passar dos dias, o que não
é de toda verdade, mas sinto como se fosse. Seria como ser carregada no colo de
olhos vendados. Como se dormisse 360 dias do ano. Como se permanecesse em casa
20 horas por dia. Seria como se falasse apenas uma vez por semana. Enxergasse a
luz do sol três vezes no mês. Como se sentisse o sabor da vida uma vez a cada
semestre.
Nada
parece fazer sentido, e de fato não faz. Em dias tomados por esse sentimento de
angustia, meu instinto exige que nada disso ocorra de verdade. Intima meu eu a
viver de forma mais insana, de forma que aproveite mais cada milésimo de
segundo como se eu já não aproveitasse o máximo que posso. Como se eu já não
fosse capaz de viver como o vento, espalhando aquilo que encontra, no caso, as
coisas boas que levo de lugar a outro. Porque se for pra viver de olhos
fechados levada como folha seca, eu prefiro ser o verdejar que se renova a cada
primavera, pelo menos assim poderia observar o cantar dos pássaros à minha
volta.
E enfim, acho que consegui passar daquela famosa fase do escritor em crise. Fiquei sem escrever textos novos por um bom tempo, as inspirações não rendiam mais do que um ou dois parágrafos, mas espero que tenha sido realmente uma fase passageira. O amor pela escrita sempre prevalesse ♥ ~Beijinhos
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